quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Uma Linda Mulher

Vivian não conseguia acreditar na quantidade de elogios que chegava por e-mail. No começo, achava que escrever uma coluna dando dicas de sexo era maluquice. Mas a falta do que fazer e, principalmente, a ausência do Edico, apelido carinhoso que deu a Edward, tinham falado mais alto. Assim nasceu a "Dou-lhe Uma". O nome tinha sido idéia da Mia, a única pessoa da alta roda que sabia do passado de Vivian.

- Mas Mia, esse nome é ridículo!


- Que nada. "Dou-lhe Uma" não é um título. É uma promessa! E tem duplo sentindo. Pensando bem, têm vários como...

- Eu entendi, Mia. Não precisa desenhar.

- Tenho pensado nessa coluna desde o dia em que você falou pra eu me pendurar no ventilador. Levei Frederico a loucura.

- E ao hospital também, né, Mia?

- O ventilador não tava bem colocado.

- Sei.

- E eu tava mais gordinha.

- Sei.

- Eu acho que você pode começar ensinando a técnica do ventilador. É só colocar um asterisco com aquela defesa em letras minusclinhas para evitar problemas futuros.

- Vou acabar sendo processada pelo Procon.

E lá se vão alguns anos de sucesso, pensou Vivian. Pena que não consiga testar 1/3 do que escreve com Edico, que vive cansado e de mau humor.

- Oi – disse Edico, seco, desviando o pensamento de Vivian.

- Por que demorou tanto?

- Estava trabalhando. Trabalhando de verdade, sabe?

- O que quer dizer com isso, Edico?

Edico jogou o jornal na mesa e Vivian viu sua coluna. Ele tinha feito um bigodinho e colocado óculos na foto dela.

- Edico, o que houve? Tá bebendo água do vaso?

- Sabe qual foi o grande assunto do escritório hoje? – perguntou, acrescentando uns chifrinhos à foto.

Vivian olhou de rabo de olho para o "Dou-lhe Uma", apertou os olhos, mas não conseguiu ver o tema. Começou a ficar preocupada.

- Eu pensei que você não lesse o que escrevo.

- E adianta? Pelas piadinhas sempre deduzo qual é a bola da vez. O manobrista me olha com cumplicidade, como se soubesse de todas as nossas intimidades. Pior, das SUAS intimidades.

- Edico, você está exagerando.

- O que significa ficar com olhinhos feito asas de borboleta? Heim?

- Edico...

- É o que está escrito aqui. A técnica do rompimento do casulo, vai deixá-lo com os olhinhos feito asas de borboleta.

- Edico...

- Isso foi a primeira coisa que ouvi hoje do Marcão. Ele sorriu e ficou piscando várias vezes pra mim.

- Marcão? Aquele advogado vesgo?

- É. Pensei que ele estivesse tento um ataque ou sei lá o que. Mas aí, ele me deu um tapinha nas costas e perguntou se era mais ou menos assim que eu ficava.

- Edico...

- Que diabo de técnica é essa, Vivian? Isso é coisa nova. E não foi comigo que você aprendeu. Você tem outro!

- Tá louco Edico?! Eu amo você.

- Que ama, que nada. Quero saber de onde vem tanta inovação. Tanta bateção de asa.

- Você quer saber a verdade? Eu tô sim, aprendendo com outra pessoa. Mas é tudo culpa sua!

Edico ficou estático com a confissão. O que tinha saído errado, ele pensava. Um filminho passou pela cabeça. Vivian, nua, deitada na cama com outro, tentando anotar todos os movimentos, como na dança de salão. Vivian pedindo ajuda pra escolher aqueles nomes. E nome é uma coisa importante. Exige confiança. Ela não o deixou escolher nem mesmo o nome do peixinho dourado.

- Você está me escutando, Edico?

Edico perdeu o começo da conversa, mas disse que sim. Que ouvia cada palavra.

- Mas para continuar escrevendo bem, eu precisava de você. Para testarmos coisas novas. E você nunca estava a fim. Eu comecei a perder a criatividade e minha editora do jornal me chamou a atenção. Só me restou voltar às ruas.

Edico sentou, pálido. Tentou se recordar de alguma peruca curta loura ou bota longa preta no closet. Só lembrou do chicotinho, mas aquilo tinha sido sugestão dele.

- A Kit me ajudou. Ela sabe de coisas inimagináveis. Só pra você ter noção, nunca tive coragem de falar sobre a técnica da taruíra espevitada.

- Kit? Aquela amiga baixinha que você dividia o apartamento?

- Sim, Kit. Agora ela é cafetina.

- Você tem uma cafetina, Vivian?!

- Não, Edico. Nós somos amigas.

- Amigas? Ahh... agora entendi tudo. Você virou sapatão.

- Tá difícil conversar com você.

- Difícil é ouvir isso e ficar com cara de festinha de aniversário. Ou com olhinhos feito asas de borboleta.

- Edico, presta atenção. A Kit me conta as novas tendências, entende? Todas as novidades, as curiosidades, as perplexidades. Eu nunca te traí, homem.

Edico relaxou um pouco.

- Você jura?

- Claro.

- Não fez workshop?

- Pense que tive informações adquiridas em palestras.

- Nada de prática?

- Só teoria.

Ela sorriu. Ele suspirou aliviado e confessou que tinha perdido a vontade de ir pra cama porque imaginou que ela andava fazendo pesquisas de campo. Em seguida, pegou Vivian no colo e foram para a sala do piano, que andava muda há muito tempo. Mas naquela noite, os vizinhos tiveram que chamar o disk-silêncio. Não agüentavam mais ouvir tanto Tico-Tico no Fubá.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

A Fantástica Fábrica de Chocolate


- Não moça. Pela última vez, não existem chocolates Willy Wonka Zero.
- Nem com menos calorias?
- Não. São todos iguais.
- Calóricos e engordativos.
- Exatamente.
- Bem, então... nada feito – e a mocinha, espremida numa calça jeans e barriga de fora, saiu batendo a porta de vidro com sininhos.
O dono da lojinha passou a mão pela careca, tentando domar o topete que ele ainda acredita existir. Estava nervoso.
- Agora me fala, Deuclídes. Pra que essa tábua precisa de chocolate Zero? Você viu as costelas? Dá até pra fazer um reco-reco.
- A moda agora é Zero, seu Agenor. As pessoas comem, comem, comem e, pra aliviar a consciência, pedem um refri Zero, um doce Zero, uma palhaçada Zero.
- Eu já falei isso pro Wonka e sabe o que ele me respondeu?
Deuclídes sacudiu a cabeça.
- Que prefere ter um Rei Momo como garoto propaganda do que fazer doces Zero.
- Que isso, seu Agenor!
- Pois é. Disse que altera o sabor, mas me pareceu outra coisa. E sabe do que mais? Isso não pode continuar. Eu vou ligar pra reclamar.
Deuclídes arregalou os olhos enquanto seu Agenor sacudia o telefone como se o coitado fosse a goela do Wonka.
- Ele já tem dinheiro o suficiente para as três próximas encarnações. E o meu mal dá pra esta.
No segundo toque, para a surpresa de seu Agenor, uma mocinha atendeu.
- Boa tarde... – disse seu Agenor, inseguro, imaginando onde estaria o Ompa Loompa telefonista – é da Fantástica Fábrica de Chocolate?
- Sim, quem está falando?
- Aqui é Senhor Agenor.
- Em que posso estar ajudando, Sr. Agenor?
- Eu quero falar com o Wonka. Pode passar o ramal?
- Ah, mas isso eu não posso estar fazendo.
- Por quê?
- Porque o Sr. Wonka não está querendo atender qualquer um.
- Quem é você? – disse intrigado.
- Eu sou a esposa dos Ompa Loompa. Estou querendo dizer, de um deles.
O queixo de seu Agenor caiu.
- Os Ompa Loompa têm esposas? Têm irmãs, tias, mães? – disse embasbacado.
- Claro que têm mães. Está achando que eles brotam da terra? Ou melhor, do chocolate? – a moça começou a ficar irritada – Eu sempre estive sabendo que a gente nunca representou nada pra eles. Mas isso já está sendo demais.
- Não, Dona Ompa... – e parou, sem saber do que chamar a mulher.
- Está querendo saber saber? – perguntou aos berros. – Vou estar te passando pro todo poderoso. Tomara que você seja um desses repórteres fofoqueiros.
Seu Agenor tomou um susto tão grande que deixou o fone cair no chão.
- O que foi seu Agenor? O Sr. está pálido – perguntou Deuclídes.
- Deuclídes! Existem mulheres Ompa Loompa. Pega a extensão – e fez sinal de silêncio porque, no mesmo instante, um homem atendeu a ligação.
- Wonka falando.
- Sr. Wonka! Os Ompa Loompa têm esposas?
- Você é jornalista? – perguntou, apreensivo.
- Não, eu sou...
- Menos mal – cortou Wonka, aliviado. – Não sei até quando vou conseguir abafar esse assunto. Como soube?
- A Ompa, quer dizer, a mocinha que atendeu a ligação deixou escapar – disse seu Agenor, meio sem graça. – Como isso aconteceu?
- Você acha que os Ompa Loompa brotam da terra? Ou melhor, do chocolate? – disse Wonka, impaciente.
- É... não... hum... – disse sem saber o que dizer, seu Agenor.
- Sempre pensei que fossem clones... – disse Deuclídes, se intrometendo na conversa. – ou, sei lá, Gremlins do chocolate...
- Antes fossem, antes fossem. Mas eles têm mães, irmãs, tias e... – Wonka baixou o tom de voz. – sogras.
- O que?! – seu Agenor não conseguia acreditar.
- Sogras. Os Ompa Loompa têm sogras. E elas sabem um monte de musiquinhas. Uma para cada situação. Todas criadas na hora.
- Pobres Ompa Loompa – disse seu Agenor, com amargura.
- E o pior você não sabe – falou Wonka, com um fio de voz.
- O que pode ser pior do que uma sogra repentista? – assustou-se Deuclídes.
- As esposas.
- São iguais às mães? – seu Agenor apertou o fone na orelha.
- Elas são iguais a eles.
- Deus é mais! – gritou de pavor, Deuclídes, ao imaginar a versão Ompa Loompa de saias.
- E agora resolveram que não querem mais ser.
- Totalmente compreensível. Totalmente compreensível – afirmou seu Agenor.
- Você não entende?! – Wonka estava realmente apavorado. – Agora elas querem ser diferentes. Ter cabelos diferentes, roupas diferentes. Fazer tatuagem, botar piercing. Algumas querem até dirigir e usar salto alto. Várias estão na enfermaria com os tornozelos torcidos.
Seu Agenor começou a sentir pena do Wonka.
- Os Ompa Loompa não conseguem mais trabalhar em paz. Elas reclamam que eles nunca conversam. Querem atenção! São carentes e barraqueiras. Minha produção nunca foi tão baixa.
- E o Charlie? – quis saber Deuclídes.
- O que tem Charlie? – perguntou na defensiva.
- Ele não é seu braço direito? – continuou.
- O problema é que sou canhoto – disse desgostoso.
- Então, ele não está ajudando? – insistiu Deuclídes.
- O Charlie está num spa – respondeu a contra-gosto.
- Mas ele sempre foi tão magricela – disse seu Agenor.
- E nem parecia ser guloso – completou Deuclides.
- Ele não era de comer muito. Até o dia em que leu uma reportagem: "Chocolate substitui o sexo". Antigamente não tinha mulher na fábrica. E o Charlie em plena adolescência – disse, pesaroso.
- Ele deve estar uma bola – falou Deuclídes, com um risinho maldoso.
- Então tá, Sr. Wonka. Mais sorte pro senhor – disse seu Agenor, querendo acabar o papo. Estava começando a ficar deprimido.
- Pera aí. Quem tá falando? – perguntou Wonka.
- Aqui é seu Agenor, da lojinha da esquina.
- Ah sim, seu Agenor. Mas por que o senhor ligou?
- Eu gostaria de saber, Sr. Wonka, quando vai começar a fabricar doces Zero.
O silêncio do outro lado da linha foi tão grande, que seu Agenor pensou que a ligação tivesse caído.
- Sr. Wonka?
- Nunca, Seu Agenor! Eu NUNCA vou fabricar doces Zero. Primeiro porque as Ompa Loompa estão loucas pra que isso aconteça. Muitas estão engordando e pensam que vão ficar iguais ao Charlie. Até já espalhei fotos dele pela empresa. Algumas já foram embora.
Nesse momento, o sininho da porta tilintou e outra magrela de barriga de fora entrou na lojinha. Dava pra ler "Zero" piscando na testa.
- Segundo, - Wonka continuou – vai que o próprio Charle se anima a voltar e, no desespero, se engraça com alguma delas?
Seu Agenor estava paralisado. Aquele era um caso perdido. Não sabia se odiava mais as Ompa Loompa ou aquele maldito umbigo que implorava por baixa caloria. Ficou muito irritado com o Wonka, depois que ela pediu um chocolate Zero. Nem reparou que desligou o telefone na cara dele.
- Por que você não pára de fazer doce e leva um desses, heim? – quase implorou seu Agenor, com um sorriso.
- Moço, eu não faço doce – falou com voz fina, antes de sair batendo a porta de vidro com sininhos – e, se fizesse, seria um doce Zero.

A Noviça Rebelde

Maria custava a acreditar no que via na TV. Depois de tudo o que já tinha passado com Von Trapp e seus filhos, presenciar, mesmo que pela telinha, aquela cena, era uma lástima. A filha 6 estava de queixo caído, emudecida. O Capitão não se mostrava muito perplexo. Pelo jeito, já havia se acostumado à veia artística de seus rebentos. Se alguém podia chamar aquilo de arte. Na verdade, só o filho 2 mantinha alguma ligação à arte verdadeira e estava realmente fazendo sucesso, mas como era um cantor transformista, o Capitão, como ainda fazia questão de ser chamado, renegava sua paternidade até a morte.
- Na época, a falecida tinha um caso com o encanador – dizia ele com todo orgulho.
E Maria se segurava para não dizer que Smorfete, o nome artístico do filho 2, era a cara dele, tirando apenas os longos cabelos azuis e litros de silicone dos seios e do traseiro. Afinal, o Capitão sempre foi meio desbundado.
- Mas Maria, por que tanta surpresa? Ela sempre se saiu melhor na dança do que no canto. E lembre-se que a número 7 é a nossa filha. A nossa caçulinha.
- Nossa, não. Eu nunca tive filhos. São todos seus. Os sete.
- Seis. Já cansei de falar que o cabelos de anil não tem nada a ver comigo.
Maria suspirou fundo e mudou o rumo da conversa. Ela queria esquecer o que rolava na TV.
- Será que as números 3 e 5 vêm jantar?
- Acho que não. Parece que o show de hoje vai ser numa pizzaria.
- Desde quando telegrama animado pode ser classificado como show?
- Não deixa de ser, Maria. Afinal, elas se apresentam com uma banda, têm microfone e platéia.
- Sabe capitão... a primeira vez que eu vi a reação das pessoas quando elas saltaram daquela Kombi metidas numa banana inflável, com os músicos disfarçados de macacos, eu pensei que fosse uma pegadinha erótica.
- Por quê?
- As pessoas gritavam: “Olha a sacanagem! Isso é sacanagem das grossas!”.
O capitão imaginou a cena: as filhas tentando cantar parabéns e os adolescentes atirando sorvete e dizendo que elas ficavam melhor numa banana split.
- É... Maria... aquilo não acabou bem. Mas não tão mal quanto a filha 1, né?
- Bem feito. Quem mandou brigar na casa do BBB? Tava querendo ser expulsa mesmo.
- Mas a culpa não foi dela, coitadinha.
A filha 6 olhou surpresa para o pai, mas, como sempre, permaneceu calada.
- Coitadinha? Ela quebrou o nariz da outra lá!
- Quem mandou a sirigaita confundi-la com o irmão e gritar que ela era muito mais gorda e masculina pessoalmente? Agora todo mundo sabe que aquele traveco é da família.
- Pelo menos vão esquecer que o filho 4 resolveu atacar de cover do Latino e mostrou o bunda lê-lê dele pra todo o bairro na Kombi do Telegrama Animado.
De repente Maria ficou imaginando onde eles tinham errado com as crianças. Será que a troca dos nomes pelos números tinha causado algum trauma? Ou será que foi a releitura de Mudança de Hábito para o coral da Igreja? Aquela idéia, definitivamente, não tinha sido boa. Eles foram expulsos da congregação porque o padre achou a coreografia herege. Mas aquilo tinha sido fichinha se comparado ao que a filha 7, a caçula, estava fazendo. Devia ter desconfiado daquelas performaces com as garrafas quando ela dizia que só estava se preparando para um número de mágica.
- Mas o que tem demais, Maria – tinha perguntado o Capitão na época – se a menina quer participar do concurso da Loura do Tchan?
- Não é isso, criatura! Branca daquele jeito, ela quer ser a morena, a MORENA do tchan!
- Nada que um solzinho não resolva. Agora as morenas vão ver como é bom ser falsificada!
E Maria tinha dado graças a Deus pelo mau jeito nas costas que desclassificou a menina bem na hora do concurso. Mas pelo jeito aquela desorientada não tinha limites. Ela estava bem diante dos seus olhos, tendo a ousadia de participar da seleção para a Globeleza. Como ela arrumou aquela cor tizil e o que tornou o cabelo bombril, nunca iria descobrir. Era praticamente um Michael Jackon ao contrário. E o pior de tudo era o modelito.
- Não é possível! - gritou levantando do sofá - ela está usando a roupa de brincar!
- Aquela que você fez com minhas cortinas quando era apenas a babá?
- Sim!
A filha 6 olhava para Maria, para o pai e para a irmã na TV. Ela tinha transformado a roupa em umas faixas. Faixas bem pequenas. E estava realmente esquisita.
- Relaxa Maria. Daqui a pouco você acostuma. Eu mesmo detestei logo que vi as tais roupas, lembra?
De repente a muda deu um grito horrível e berrou apontando pra TV:
- A minha sombrinha rosa desaparecida! - eram as primeiras palavras dela em anos.
A Von Trapp dançarina tinha roubado a sombrinha da filha 6 que todos acharam que tinha sumido. Então, nesse momento, ela passou a misturar samba com algumas coreografias de Mary Popings. A última coisa que Maria pensou antes de desmaiar foi “e ainda dizem que a rebelde sou eu”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Guerra dos Mundos & ET


A pequena Rachel estava no seu quarto lembrando dos maus bocados que tinha passado no mês anterior. Não conseguia acreditar que os ET's maus, tão feiosos e inteligentes, tinham morrido de morte morrida. "E ainda tem gente que torce o nariz para bactérias e outras coisinhas do gênero" – ela pensava. Depois desse episódio passava, no mínimo, três dias sem tomar banho, contando aí, sábados, domingos e feriados. Quando a mãe perguntou por que estava agindo como o Cascão, ela explicou:

- Mãe, se todos fossem assim, eles não teriam sobrevivido dois dias em contato com a gente - e decidiu parar de lavar as orelhas por tempo indeterminado.
- O que é isso!? Não criei filha minha pra virar menina bomba!

Depois que a mãe saiu reclamando que, se fosse assim, nenhum alienígena teria a ousadia de pisar em Paris, Rachel ouviu um barulho dentro do armário. Alarmada, pegou a folha de alface estragada que tinha escondido na gaveta para alguma emergência e, na ponta dos pés, se aproximou. Num movimento rápido, escancarou a porta e deu de cara com o ET do filme ET - O Extraterrestre. Rachel começou a berrar. Aquele gritinho insuportável que só uma garotinha do cinema consegue dar. O ET, com cara de "já vi esse filme antes" disse:

- De novo essa cena?

Rachel ficou tão apavorada que perdeu a voz.

- Pára com isso, você é tão cansativa.
- Que-quem é você?
- Como assim, quem sou eu? Tudo bem que fui embora há uns 25 anos, mas pensei que nunca fosse me esquecer. Eu nunca esqueci de você. Pelo menos não dos seus gritos.
- 25 anos? Mas parece que foi o mês passado!

ET esticou o longo pescoço e foi chegando mais perto dela. Mas antes que Rachel começasse a berrar novamente, perguntou:

- Cadê seu irmão? Ele sim, era meu chapa.
- Mudou pra casa do papai. Disse que essa esposa dele é demais. Meio pau mandando, mas bem jeitosinha.
- Mas isso é quase um incesto!
- No mínimo uma pouca vergonha.
- Esse filme é do Spielberg?
- É.
- É sobre ET' s?
- No caso de dúvida, tem um espelho logo ali.
- Você é a caçula?
- Por enquanto sim.
- E esse cabelo louro? É seu ou é pintado?
- Se continuar a ver ET's todo mês, vou precisar em breve.
- Você não é a Gertie, mais conhecida como Drew Barrymore?
- Meu nome é Rachel, mais conhecida como Dakota Fanning.
- Esse filme é mesmo do Spielberg?
- Um sucesso de bilheterias!
- Não tô entendendo... ET's, uma garotinha lourinha e histérica, direção do...
- Ahá! Agora eu reconheci você! Você é o ET, de ET, O Extraterrestre! É um ET bonzinho!

ET olhou com cara de tédio e deu um longo um bocejo.

- Como pude me esquecer do: "ET... fone... home..." - falou tremendo a voz.
- Esqueça isso, pirralha. Detesto lembrar da época que não sabia juntar três palavras.
- A ponta do seu dedo ainda fica luminosa?

Rachel corou quando ET esticou um dedo pra ela. E não foi o indicador.

- Por que o mau humor?

- O que você esperava? Depois de 25 anos, consigo um visto de turista para voltar à Terra, dar umas voltas de bike ao luar e tomar uns gorós no Dia das Bruxas e, depois de saculejar anos luz naquele disco voador caindo aos pedaços, eu chego aqui e encontro a bonita aí, com essa cara de interrogação e cheiro de quem não toma banho há uma semana.
- Ahh, cai fora. Você tá no filme errado. Na sua época eu nem era nascida, vovô.

ET começou a ficar sem jeito.

- Se eu fosse você, baixava a bola. Os ET's bonzinhos do cinema estão em decadência, sabia?
- Bonzinhos não, mas frouxos, sim. Onde já se viu. Depois te tanto trabalho, ter um fim daquele? Francamente!
- Você fala isso pra menosprezar seus conterrâneos, que chegaram aqui botando banca.
- Eu não tenho parentesco algum com essa espécie... tão... tão sensível - e saiu saltitando imitando passinhos de balé.
- Pode dizer o que quiser, mas MEU filme de ET's é muito melhor que o seu.
- Por quê? Vai dizer que seu irmão é mais legal que o irmão da Gertie?
- Não.
- Então...?
- Mas o meu pai, fofo, é o Tom Cruise.

ET abriu a boca pra protestar, mas diante dessa argumentação, achou melhor ficar calado. O Tom, decididamente, fazia um bocado de diferença.